Uma cinqüentona em forma
Inaugurada em 19 de janeiro de 1951 com a sigla BR-02, a Via Dutra é uma das mais importantes rodovias do País, responsável pela principal ligação rodoviária entre São Paulo e Rio de Janeiro. Criada para substituir a antiga Rio-São Paulo (construída em 1928), a Dutra aproveitou poucos quilômetros do antigo traçado. Sua construção representou um grande avanço na história da engenharia brasileira.
Até meados dos anos 60, sua grande capacidade de escoamento do tráfego assegurou o desenvolvimento do eixo Rio-São Paulo. Mas com o aumento da frota nacional e do volume de transporte de cargas a rodovia ficou saturada em menos de 15 anos de uso. Foi por isso que a Dutra acabou sendo duplicada entre 1965 e 1967 e recebeu melhoramentos nas décadas seguintes.
Por problemas de falta de recursos do Governo Federal, que determinaram a redução de investimentos em manutenção e conservação, na década de 90, a rodovia deteriorou-se rapidamente. Foi em função dessa dinâmica que o Governo Federal criou em meados da década de 90 o Programa de Concessões de Rodovias Federais, que passou a Via Dutra para a administração da Iniciativa Privada em 1996.
“Estou encantado com o que vi”.
Com essas palavras, às 11h25 da manhã de 19 de janeiro de 1951, o general Eurico Gaspar Dutra, Presidente da República, descerrou a placa de inauguração da BR-2, a Nova Rodovia Rio-São Paulo, em solenidade realizada na altura de Lavrinhas (SP).
A rodovia ainda não estava completamente pronta, apesar de permitir o tráfego de veículos entre a então Capital Federal (Rio de Janeiro) e o pólo industrial de São Paulo nas maiores médias de velocidade da história (veja quadro). Dos seus 405 quilômetros, 339 estavam concluídos, junto com todos os serviços de terraplenagem e 115 obras de arte especiais (trevos, viadutos, pontes e passagens inferiores). Faltava, porém, a pavimentação de 60 quilômetros entre Guaratinguetá e Caçapava e de 6 quilômetros em um pequeno trecho situado nas proximidades de Guarulhos.
Em sua maior porção, a BR-2 contava com pista simples - ou “pista singela”, como tratavam os técnicos de então -, operando em mão-dupla. Em dois únicos segmentos havia pistas separadas para os dois sentidos de tráfego: nos 46 quilômetros compreendidos entre a Avenida Brasil e a garganta de Viúva Graça (hoje, Seropédica), no Rio de Janeiro, e nos 10 quilômetros localizados entre São Paulo e Guarulhos.
Rapidez, segurança e economia
Construída com as mais modernas técnicas de engenharia da época e com equipamentos especialmente importados para isso, a Rio-São Paulo de 1951 permitiu reduzir a distância rodoviária entre as duas capitais em 111 quilômetros, comparando-se o novo caminho com o traçado da velha rodovia, inaugurada em 1928.
A maior parte dessa redução foi conseguida com a superação obstáculos naturais, basicamente nos banhados da Baixada Fluminense e na área rochosa da garganta de Viúva Graça, na região de serras entre Piraí e Cachoeira Paulista e no segmento da Várzea de Jacareí. Apenas 8 quilômetros do antigo traçado foram aproveitados, justamente o segmento encravado na Serra das Araras, depois de alargamentos e correções de pista.
Além disso, sua concepção avançada permitiu a construção de aclives e declives menos acentuados e curvas mais suaves. Tudo isso representou significativa uma queda no tempo de viagem, de 12 horas, em 1948, para 6 horas.
Projeto auto-sustentável
No total, 1,3 bilhão de Cruzeiros foram investidos na construção da BR-2, quantia altíssima para os padrões da época. Gastos muito criticados por setores da sociedade civil e pela Imprensa, que classificava a obra como “luxuosa”. O Governo Federal argumentava que o desbravamento do Brasil dependia de caminhos que pudessem ser abertos com rapidez e eficiência e que a modernização da ligação Rio-São Paulo era fundamental para o desenvolvimento nacional.
Foi essa, por exemplo, a linha de argumentação no discurso de inauguração da rodovia, feito pelo então ministro de Viação e Obras Públicas, general João Valdetaro de Amorim Mello.
“Com um tráfego mínimo de 1.000 veículos diários (...) e tendo em conta a economia resultante do custo de operação dos veículos rodando sobre uma estrada deste modelo (...) em 10 anos, a economia nos transportes efetuados sobre esta rodovia atingirá a casa dos 10 bilhões de cruzeiros”.
Tudo isso, lembrava ele, sem contar a economia de divisas com a redução nos gastos com combustíveis, lubrificantes e peças de reposição, todos importados.
Desafios: vencer a várzea e as rochas
Hoje, quem trafega pelo retão de Jacareí, a cerca de três metros dos terrenos em volta, não imagina que a sua construção representou um dos maiores desafios de engenharia à época e motivo de grande polêmica técnica. Os cerca de seis quilômetros que cruzam a Várzea do Paraíba estão sobre turfa, terreno instável e de transposição considerada quase impossível nos anos 40. Para construir a estrada naquele trecho, foram usados 12 milhões de metros cúbicos de terra, o equivalente a 1,6 milhão de caminhões cheios, em um aterro submerso de 15 metros de profundidade.
Outro segmento que representou grande desafio para os engenheiros construtores da nova rodovia situa-se na chamada garganta de Viúva Graça, um trecho rochoso ao pé da Serra das Araras que precisava ser transposto dentro do projeto de encurtar distâncias. Ali, foram realizadas escavações complexas e demoradas para permitir o “rebaixamento” em 14 metros do paredão de granito.
Volumes assombrosos
Os números que envolveram a construção espantam ainda hoje, em um esforço de engenharia que envolveu 35 empreiteiras, milhares de trabalhadores e movimentação de toneladas dos mais diversos materiais.
2.657.746 m2 de pavimentação
1.300.000 sacos de cimento
8.000 toneladas de asfalto
20.000 toneladas de alcatrão
15.000.000 m3 de movimento de terra
300.000 m3 de cortes
7.021 m de extensão em 115 pontes, viadutos e passagens
19.086 m com 315 bueiros
30 milhões de m2 de faixa de domínio
Tempos de viagem ao longo do tempo
1908 – 876 horas foi o tempo gasto pelo Conde Lesdain para percorrer a distãncia entre Rio e São Paulo através de estradas de boiadeiros e antigas picadas a bordo de um veículo Brassier
1925 – 144 horas foi quanto demorou a Bandeira Automobilística da Associação de Estradas de Rodagem para seguir de São Paulo ao Rio já em estradas de melhor qualidade
1928 – 10 horas – Após a inauguração da antiga Rio-São Paulo, os tempos de viagem foram sensivelmente reduzidos
1948 – 12 horas – Apesar da modernização dos veículos, a deterioração da estrada e o aumento no transporte rodoviário de cargas aumentaram o tempo de viagem
1951 – 6 horas – Em pistas adequadas para o fluxo e a qualidade dos veículos da época, era possível desenvolver velocidade média de 70 km/h
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